segunda-feira, 12 de abril de 2010

Saiba mais sobre seus clientes

Por Joanna L. Krotz

É comum que gerentes de marketing e gerentes de vendas não se dêem bem. Quando as receitas diminuem ou os objetivos não são atingidos, eles passam a culpar uns aos outros. Normalmente, o responsável pelo fracasso nas vendas é o mais atingido, o que, com o tempo, representa um custo cada vez maior.

Apresento aqui a solução para resolver a disputa e fazer com que marketing e vendas falem a mesma língua. Em seguida, listarei nove idéias práticas para descobrir clientes interessados no mercado atual.

O que é um cliente interessado?
A tarefa do marketing é atrair o interesse que transformará clientes desinteressados em clientes em potencial. É responsabilidade da equipe de vendas estimular os clientes em potencial que fecharão o negócio.

Quando ocorrem reviravoltas, o marketing mostra o incrível número de telefonemas para o cliente, consultas por email, visitas a páginas da Web ou impressões da Web encaminhadas a vendas e ignoradas. Os representantes de vendas se desestimulam com o esforço despendido no acompanhamento de consultas banais e insignificantes do marketing. "Só conseguimos perder tempo", reclamam diretores de vendas ressentidos.

O motivo pelo qual nenhum dos lados ganha é porque ambos estão certos.

Um acompanhamento frágil desperdiça o dinheiro do marketing
O canal que alimenta uma venda normalmente inicia com uma consulta. É um processo que cresce com o tempo.

Pesquisas recentes da Warne, uma empresa de marketing de Toronto, no Canadá, acompanhou mais de 3.500 pessoas que consultaram anunciantes de ações de primeira linha. Este é o resultado da pesquisa: 19% dos consultantes fizeram negócio em até seis meses (com o anunciante ou com um concorrente) e 29% fizeram negócio em até um ano. Em até 16 meses, 43%, e em até 25 meses, 57% haviam feito negócio. Isso significa dois em 10 que desejavam comprar "agora" e quatro outros que desejavam comprar "mais tarde" — ou cerca de seis clientes interessados em cada 10 consultas.

Qual é o problema? As pesquisas indicaram que os representantes de vendas acompanhavam menos de 17% de todas as consultas.

Está claro que as consultas são uma peça fundamental da venda. Está claro também que a maioria das empresas desperdiça a verba do marketing com um acompanhamento insatisfatório.

Isso ocorre porque todas as consultas parecem iguais no início. Não é possível saber qual desaparecerá e qual se transformará em um cliente interessado. Como um bom acompanhamento exige três ou quatro contatos posteriores, as empresas não têm como responder a cada solicitação de informação ou cotação com a mesma atenção. Assim, as boas oportunidades são descartadas junto com as insignificantes.

A solução é preparar um sistema de custo eficiente que inicie respostas apropriadas em momentos diferentes.

Respostas avaliadas
Dependendo de seu setor e ciclo de vendas, essas respostas podem ser um programa de email automatizado com mensagens pré-selecionadas que respondam a palavras-chave de uma consulta eletrônica. Pode ser um kit de mídia ou relatório anual enviado por correio que responda a consultas telefônicas.

Você pode criar uma série de folhetos cada vez mais detalhados que atenderão ao interesse crescente da consulta, até o momento da venda feita pessoalmente. Outras opções: convites para eventos, catálogos de produtosou amostras grátis enviadas a qualquer pessoa que visite um estande de feira de negócios, e assim por diante. Também é preciso decidir se o marketing ou vendas gerenciará cada resposta e em que momento o departamento de vendas se tornará responsável pelo processo.

Existem várias opções possíveis. Basta planejá-las com antecedência.

Faça os cálculos
Em seguida, estimule a cooperação entre marketing e vendas e certifique-se de que ambos compreendam os custos que contam.

Marketing: É preciso calcular quantos contatos com o cliente são necessários, em média, para fechar uma venda, e o custo de cada um. O número total de pesquisas ou consultas não é especialmente importante.

Vendas: É preciso calcular quantos negócios devem ser fechados para atingir os objetivos de receitas ou lucros da empresa. Definir um objetivo de vendas ou um número de negócios fechados por mês ou trimestre não importa tanto. Cada lado deve ter claro o que é necessário para transformar consultas em vendas.

O marketing destinado a gerar vendas (em contraste com esforços para identificação de marca ou campanhas para estimular a fidelidade do cliente) normalmente depende dos seguintes canais, informa Mac McIntosh, um consultor de vendas entre empresas de North Kingstown, Rhode Island, E.U.A.:

• Marketing de relacionamento que estimula e qualifica clientes interessados

• Banco de dados de marketing eficaz

• Marketing direto que gere consultas

• Marketing online e de mecanismo de pesquisa que reduza a distância entre marketing e vendas

• Eventos ou promoções que levem clientes interessados a comprar


Tente diversas táticas
"Uma empresa precisa ter várias estratégias para gerar interesse", aconselha Jerry Rackley, um consultor de marketing de Stillwater, Oklahoma, E.U.A. "Normalmente, usar apenas uma abordagem não atende adequadamente ao canal de clientes interessados, e deixa que esses clientes apenas passem pelo canal". Provavelmente, é necessário ter uma combinação de técnicas tradicionais, como mala direta, e táticas eletrônicas.

Lembre-se disso ao avaliar estas nove idéias para gerar clientes interessados:

1. Compre informações sobre clientes em potencial qualificados. É possível obter listas confiáveis e testadas de clientes em diversas fontes, incluindo associações comerciais, organizações profissionais, associações de ex-alunos ou intermediários de listas. Com essas listas, você pode adequar emails a diferentes segmentos de clientes. Por exemplo, é possível selecionar clientes interessados extremamente qualificados para receber ofertas de descontos ou reformular suas mensagens para que atraiam diversas faixas etárias.

2. Encontre um parceiro. "Quando dois profissionais de negócios se complementam, podem influenciar seus contatos e abrir portas para o outro", diz Maura Schreier-Fleming, autora de "Real World Selling for Out-of-This-World Results" (Vendas do Mundo Real para Resultados do Outro Mundo).

3. Compre anúncios em boletins informativos eletrônicos. Anúncios em boletins de email direcionados e verticais realmente podem atrair atenção. "Comprar um anúncio nesses boletins é uma excelente técnica de geração de clientes interessados, porque você pode direcionar o cliente para seu site da Web e acompanhar a resposta", informa Rackley.

4. Leia os jornais. O jornal local diário está cheio de clientes em potencial com uma necessidade específica de seu produto ou serviço. Uma consultoria de recursos humanos, por exemplo, pode ser avisada sobre fusões ou expansões através do noticiário.

5. Verifique seu banco de dados. Clientes inativos que não tenham feito compras por algum tempo ou compradores ocasionais são perfeitos para campanhas de vendas, aconselha Dianna Booher, autora de "From Contact to Contact" (De Contato em Contato).

6. Encontre uma feira de negócios especializada. Nos últimos tempos, a participação diminuiu em muitas das principais feiras especializadas devido a cortes de custos e dificuldades em viagens. Entretanto, é possível descobrir clientes interessados em feiras regionais ou verticais a um preço razoável — e os clientes também serão mais bem qualificados.

7. Associe-se a uma organização de redes de parcerias. Para pequenas empresas, esses grupos realmente funcionam. A idéia é compartilhar clientes interessados com as empresas associadas que não sejam concorrentes diretos.


Finalmente, não se esqueça do poder da boa reputação. Quando o responsável pela empresa é acessível à equipe ou quando ele se dispõe a responder a perguntas sobre eventos do setor, as opiniões amadurecem e todos passam a ouvir. Esse tipo de reconhecimento não está à venda. Você apenas o merece.


Extraído de: http://www.microsoft.com

Conceitos básicos de Antropologia e Sociologia

Ferramentas para pensar

SOCIEDADE:

organização humanamente fundada ou sistema de inter-relações que articula indivíduos
numa mesma cultura. Todos os produtos da interação humana, a experiência de viver
com os outros em torno de nós. Os humanos criam suas interações e uma vez criadas, os
produtos dessas interações têm a capacidade ou o poder de reverter sobre os humanos a
fim de determinar ou limitar ações. Com freqüência, experimentamos a sociedade
(organização humanamente fundada) como algo externo aos indivíduos e às interações
que a fundam.

PRODUTOS DA INTERAÇÃO HUMANA – COMPONENTES DA SOCIEDADE

CULTURA:

conjunto de tradições, regras e símbolos que dão forma a, e são encenados como,
sentimentos, pensamentos e comportamentos de grupos de indivíduos. Referindo-se
principalmente ao comportamento adquirido, por oposição ao dado pela
natureza ou pela biologia, a cultura tem sido utilizada para designar tudo o que é
humanamente criado (hábitos, crenças, artes e artefatos) e passado de uma geração a
outra.

Nessa formulação, a cultura distingue-se da natureza e distingue uma sociedade da
outra.

LINGUAGEM:

um sistema de símbolos verbais através dos quais os seres humanos comunicam idéias,
sensações e experiências. Por meio da linguagem estes podem ser acumulados e
transmitidos através das gerações. A linguagem não é somente um
instrumento ou um meio de expressão, ela também estrutura e molda nossas
experiências do mundo e o que observamos ao nosso redor.

VALORES:

idéias que as pessoas compartilham sobre o que é bom, mau, desejável e
indesejável. Normalmente eles são muito gerais, abstratos e transcendem variações
situacionais.

NORMAS:

regras comportamentais ou padrões de interação social. Em geral derivam
dos valores, mas podem também contrapor-se a eles, e servem como guias para
julgamento dos comportamentos individuais. As Normas estabelecem expectativas que
dão forma às interações.

“Cultura. Aqueles padrões de significado que qualquer grupo ou sociedade utiliza para
interpretar e avaliar a si próprio e sua situação.” Bellah e outros, Habits of the Heart
1985:333

“Cultura. Um sistema adquirido e duradouro de esquemas de percepção, pensamento e ação,
produzidos por condições objetivas, mas tendendo a persistir mesmo após
uma alteração dessas condições.” Bourdieu, The Inheritors. 1979.

“Hábitos. Um conjunto de relações históricas ‘depositadas’ no interior dos corpos individuais
sob a forma de schemata mentais e corpóreos de percepção, apreciação e
ação.” Bordieu

“Cultura. O que significa agir segundo a própria cultura é, de modo geral, seguir as próprias
inclinações assim como foram desenvolvidas pela aprendizagem com outros membros da própria
comunidade. Hannerz, Soulside,
1969:177.

“Cultura. Refere-se ao repertório aprendido de pensamentos e ações, exibidos por
membros de grupos sociais – repertórios [transmitidos] independentemente da
hereditariedade genética de uma geração à outra.” Harris, Cultural Materialism,
1979:47

“Cultura. Veículos simbólicos de significado, incluindo crenças, práticas rituais,
formas de arte, cerimônias, bem como práticas ... informais, tais como a linguagem, a
o boato, histórias e rituais da vida diária.” Swidler, “Culture in Action”, 1986:273

“Cultura. O cultural é a elaboração criativa, variada, potencialmente transformadora de algumas
relações sociais/estruturais fundamentais da sociedade.”
Willis, Learning to Labor. 1977:137

ORGANIZAÇÃO SOCIAL:

O arranjo das partes constituintes da sociedade, a organização de posições sociais e a
distribuição de indivíduos nessas posições.

STATUS: nichos e posições socialmente definidos (aluno, professor,
administrador).

PAPEL: cada status porta um feixe de comportamentos esperados: como uma
pessoa naquele status deve pensar, sentir, assim como as expectativas sobre
como devem ser tratadas por outras. O feixe de deveres e comportamentos
esperados que se fixou num padrão de conduta consistente e reiterado.

GRUPO: duas ou mais pessoas interagindo regularmente com base em
expectativas comuns sobre o comportamento dos outros; status e papéis inter-relacionados.

INSTITUIÇÕES: padrões de atividade reproduzidos através do tempo e
espaço. Práticas repetidas de forma regular e contínua. As instituições tratam
com freqüência dos arranjos básicos de vivência que os humanos elaboram nas
interações uns com os outros e por meio dos quais a continuidade através das
gerações é alcançada. Os blocos básicos de construção das sociedades. As
instituições sociais são como edifícios que vão sendo constantemente
reconstruídos pelos próprios tijolos de que são feitos.

ESTRUTURA SOCIAL:

A estrutura refere-se ao padrão numa cultura e a organização através da qual a
ação social tem lugar; arranjos de papéis, organizações, instituições e símbolos
culturais que são estáveis ao longo do tempo, muitas vezes despercebidos, cuja
mudança é quase invisível. A estrutura tanto permite quanto restringe o que é possível
na vida social. Se um edifício fosse uma sociedade, as fundações, as colunas de suporte
e as vigas seriam a estrutura, que tanto constrangem quanto permitem os vários
arranjos espaciais e os tipos de ambiente (papéis, organizações e instituições). Schemata
e recursos (materiais e humanos) através dos quais as ações sociais têm lugar, são
padronizados e institucionalizados. Incorporam tanto a cultura quanto os recursos da
organização social.

Estrutura social. O conjunto organizado de relações sociais no qual os
membros da sociedade ou do grupo estão diferentemente implicados. Comportamento
e relações padronizadas. “Arranjos padronizados de conjuntos de
papéis, conjuntos de status e seqüências de status podem ser mantidos para
compreender a estrutura social.” Merton, Social Theory and Social Structure, p. 370.

“Estrutura Social. Arranjos padronizados de conjuntos de papéis, conjuntos de
status e seqüências de status conscientemente reconhecidos e em operação sistemática
numa determinada sociedade, intimamente ligados às normas, políticas e sanções legais.”
Turner. Drama, Fields and Metaphors, 237.

“Estrutura Social. Sistemas relativamente estáveis de relações sociais e
oportunidades nas quais os indivíduos se encontram e por meio das quais são
vitalmente afetados, mas sobre as quais a maioria não tem controle e cuja natureza exata
normalmente desconhece.”
Greenfield. Nationalism, pág. 2.

DESIGUALDADE:

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL: a divisão sócio-econômica da população em
camadas ou estratos. Quando falamos em estratificação social, chamamos
atenção para as posições desiguais ocupadas pelos indivíduos na sociedade. Nas
sociedades tradicionais de grande porte e nos países industrializados de hoje, há
estratificação em termos de riqueza, propriedade e acesso aos bens materiais e
produtos culturais.

RAÇA: um grupo humano que se define e/ou é definido por outros grupos
como diferente...em virtude de características físicas inatas e imutáveis. Um
grupo socialmente definido com base em critérios físicos.

ETNIA: práticas culturais e pontos de vista de uma determinada comunidade,
pelos quais se diferenciam de outras. Os membros de grupos étnicos vêem a si
mesmos como culturalmente distintos de outros grupos da sociedade e são
vistos como tal pelos outros grupos. Muitas características diferentes podem
distinguir os grupos étnicos uns dos outros, porém, as mais comuns são a
linguagem, a história ou a ancestralidade – real ou imaginada, a religião e os
estilos de vestuário. As diferenças étnicas são completamente adquiridas.

Antropologia Simbólica, Comunicação e Educação

A antropologia simbólica é relativamente recente e dos seus praticantes destacaremos Clifford Geertz, David Schneider e Victor Turner, que, apesar das divergências teóricas que os separam, defendem a concepção da cultura como sistema de símbolos e de significados partilhados. Detecta-se aqui uma influência linguística, mas sobretudo a influência da hermenêutica filosófica, tal como praticada por Hans-Georg Gadamer, e da filosofia das formas simbólicas, tal como exposta por Susanne K. Langer, portanto, uma forte influência da filosofia contemporânea. Esta influência parece indicar que os chamados cientistas sociais, depois de terem conquistado a sua independência da Filosofia, não conseguiram criar paradigmas teóricos autónomos, e, por isso, tendem a anexar as teorias filosóficas, como se estas fossem um território das «ciências» que dizem praticar. Esta é a maior ilusão das ciências sociais que as impede de reconhecer que, afinal, são ciências sem um objecto específico.


DAVID SCHNEIDER. Schneider define a cultura como um sistema de símbolos e dos seus significados: «Cada cultura concreta (...) é formada por um sistema de unidades ou partes que são definidas de um certo modo e que se diferenciam entre si de acordo com determinados critérios». Estas «unidades» ou «constructos» definem, ao mesmo tempo, o mundo e o sistema de coisas que existem no seu seio. Na cultura americana, unidades tais como "tio", "cidade", "deprimido", "homem", a ideia de progresso, a esperança e a arte, são constructos culturais, dotados de uma realidade própria que não depende da sua existência objectiva. Assim, por exemplo, ao nível deste tipo de análise cultural, os espíritos dos mortos e os próprios mortos são constructos culturais independentes do comportamento real e observável.
No seu estudo do sistema norte-americano de parentesco, Schneider interessa-se pelas definições das unidades e das regras do parentesco norte-americano, sem levar em consideração o comportamento real e observável dos parentes entre si. Admite que a preocupação pelas relações existentes entre constructos culturais e comportamentos é perfeitamente legítima, mas, dado que os comportamentos não fazem parte da cultura tal como a concebe, o antropólogo pode ignorá-los.
O objectivo de Schneider é estudar a cultura como um sistema coerente de símbolos e significados, para poder estabelecer: 1) o núcleo simbólico de cada sistema cultural estudado, se este existir; 2) como se relacionam sistematicamente entre si os sentidos das diversas partes, se tal relação existir; e 3) como se diferenciam e articulam entre si, como unidades culturais, as diversas partes, se tal for o caso. Ao isolar a cultura dos comportamentos reais e tratá-la como um todo específico, Schneider limita-se a determinar a cultura que estuda a partir do que os informantes dizem sobre as suas próprias vidas.
Harris e Lewis argumentam que, ao aceitarmos a máxima de que «não importa o que as pessoas fazem, mas sim o que dizem», teríamos de relegar os resultados da antropologia para o reino da incoerência. No seu estudo sobre a cultura do chabolismo (slums) norte-americano, Oscar Lewis destaca os perigos de semelhante abordagem: «Muitos dirão que o matrimónio legal ou eclesiástico, ou ambos ao mesmo tempo, são a forma ideal de matrimónio; mas poucos são os que se casam». Embora a abordagem de Schneider não seja adequada para estudar a cultura no seu conjunto, dado o seu idealismo cognitivo extremo, a sua preocupação básica pelas unidades e pelas regras culturais ajuda, pelo menos, a elucidar a componente cognitiva da cultura.
CLIFFORD GEERTZ. Geertz procurou abolir a dicotomia mente-corpo. A sua preocupação incide fundamentalmente sobre a acção simbólica e o uso que os homens fazem dos sistemas simbólicos. Considera a cultura como «um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções», que guiam e cimentam aqueles aspectos da humanidade que se expressam na cultura. Esta humanidade encontra-se não só nas propriedades essenciais ou na estrutura de cada cultura em concreto, mas também nos diversos tipos de indivíduos que existem no interior de cada uma delas, o que implica estudar em detalhe as vidas sociais desses indivíduos.
Contudo, Geertz começou a tratar a cultura dos povos que estudava como «um conjunto de textos, que formam conjunto eles próprios» e que o antropólogo deve interpretar como se se tratassem de textos literários. Porém, estes textos incorporam actividades sociais quotidianas de pessoas que estão implicadas numa acção simbólica e não somente num sistema ideacional abstracto. Por exemplo, ao aplicar este tipo de abordagem à luta de galos balineses, «uma obsessão popular para consumir poder», Geertz interpreta-as como «expressão de algo que choca directamente com o modo de vida dos espectadores, e inclusivamente com o seu modo de ser». As lutas de galos reúnem coisas tais como o selvagismo animal, o narcisismo masculino, a concorrência de apostas e a rivalidade de status, ligando-as entre si mediante um conjunto de regras que expressam os sentimentos destrutivos subjacentes à aparência de tranquilidade com que os balineses têm logrado cobrir uma sociedade tão hierarquicamente estruturada como a sua. A cultura, neste caso, aparece dotada de um carácter instrumental no sentido mais amplo do termo, já que não só comunica determinados traços da sua própria cultura aos balineses, mas também serve para criar e manter esses traços.
VICTOR TURNER. Turner baseia o seu trabalho fundamentalmente na acção simbólica, a qual é considerada, juntamente com os sistemas simbólicos em geral, como instrumentos em sentido amplo, enquanto estão ligados a finalidades e interesses humanos. De modo complementar, mostra-se interessado pelo aspecto formal dos símbolos usados na acção simbólica. Do seu ponto de vista, este aspecto formal amplia a nossa compreensão da actividade cultural, por mais que os próprios actuantes sejam inconscientes disso, apesar de não constituir o único sentido das suas actividades, como pensam os estruturalistas e os etnocientistas. Grande parte dos seus trabalhos estão centrados no uso de símbolos durante os procedimentos rituais, sobretudo nos seus estudos sobre os ndembu da Zâmbia. Turner conclui que os símbolos usados e as suas relações «constituem não somente um conjunto de classificações cognitivas, para o ordenamento do universo ndembu, mas também, o que inclusivamente é mais importante, um conjunto de mecanismos artificiosos evocadores para fazer surgir, canalizar e domesticar emoções tão poderosas como podem ser o medo, o afecto e a dor». Estão, pois, carregados de finalidade e têm um «carácter conativo», isto é, servem para orientar a acção.
Turner começa por investigar o significado dos rituais por meio de perguntas dirigidas aos actores. Depois analisa esses símbolos para ver se pode estabelecer alguma relação formal entre os próprios símbolos e entre os símbolos e os seus referentes (o que estes representam). A seguir, procura descobrir relações estruturais entre os símbolos que compõem o conjunto estudado, ou mostrar que esses símbolos funcionam de maneira específica e limitada, seja para comunicar significados múltiplos, seja para unificar fenómenos dispares ou para condensar ideias múltiplas. Uma análise formal deste tipo aumenta a nossa compreensão do ritual, embora não constitua o único modo de descobrir o seu significado.
Turner defende uma abordagem interpretativa ou hermenêutica da cultura, centrando a sua atenção no estudo do uso concreto de símbolos em contextos concretos e por parte de indivíduos concretos. Este método de investigação é completamente distinto do dos estruturalistas e do seu interesse pelas estruturas universais ou inconscientes do intelecto humano e distinto também do interesse dos etnocientistas pelos princípios cognitivos básicos. Turner propõe uma abordagem empática do comportamento humano, colocando, em vez de um conjunto mecânico de procedimentos puramente formais, mediante os quais a cultura resulta objectivada e dissecada, a necessidade do investigador procurar captar de maneira imaginativa as actividades em questão. Com isso pretende proporcionar uma compreensão do que ocorre em determinadas situações específicas, mais do que uma formulação de relações universais e, portanto, abstractas, entre elementos culturais ou um conjunto de estruturas mentais generativas. O uso de conceitos analíticos não é completamente dispensado, mas estes convertem-se em simples meios auxiliares para levar a cabo uma tarefa central de interpretação.
A antropologia simbólica reflecte o estado de indigência das ciências sociais e a sua incapacidade para produzir novas teorias ou paradigmas teóricos, capazes de iluminar a realidade social. Esta indigência conceptual é particularmente evidente na sociologia que, após ter reclamado a sua autonomia em relação à Filosofia, se tornou excessivamente «opinativa» e delirante, procurando anexar territórios da filosofia. A situação da antropologia social era ligeiramente diferente, pelo menos enquanto podia fazer estudos de campo de povos arcaicos, mas com a descolonização os antropólogos foram forçados a regressar a casa e, sob a influência do pensamento pós-moderno, tornaram «críticos literários». Em vez de estudarem comportamentos reais, estudam textos e discursos, anexando a hermenêutica filosófica. No fundo, todos retomam as teorias filosóficas, como se estas constituissem o seu território, mas sem abdicar da pretensão de serem cientistas sociais.


Diante desta incapacidade das ciências sociais elaborarem novas teorias, sem saquear a filosofia, esta pode reclamar os seus territórios e mostrar que as ciências sociais mais não são do que ramos da própria pesquisa filosófica. Neste caso específico dos modelos simbólicos ou cognitivos, a filosofia está em condições de os repensar no âmbito de uma epistemologia comparativa, capaz de interpretar as concepções do mundo incorporadas nesses universos simbólicos ou cognitivos, sem cair na tentação do relativismo, ao mesmo tempo que pode fomentar um diálogo intercultural alargado num mundo cada vez mais global.
Anexo: A ideia que pretendia acentuar é a de que a máxima "não importa o que as pessoas fazem, mas sim o que dizem" inverte completamente o pensamento de Karl Marx, e, nesse sentido, deve ser vista como uma noção ideológica. Faz lembrar a célebre frase de Derrida: "não há nada fora do texto". As implicações desta viragem simbólica e interpretativa na comunicação e na educação são demasiado evidentes: tirania emocional da opinião, a qual já não reconhece a força dos factos e das evidências empíricas! Daí o relativismo e a anarquia que ameaçam a própria essência da democracia!

J Francisco Saraiva de Sousa

Revolução Neolítica

De caçador a criador, de coletor a agricultor.
Grupos humanos sofreram essa transformação em momentos diferentes, com intensidade diversa, em diferentes locais do mundo.

Até há pouco tempo, sob a influência do evolucionismo e de um marxismo mal digerido, descreviam-se essas passagens como necessárias e positivas. Hoje já se discute, sob a ótica da antropologia, se a felicidade de um grupo depende do gado confinado e da terra domada. Freqüentemente imaginamos ficar o homem mais tranqüilo por ter uma plantação que lhe pertença em contraste com o "selvagem coletor" que tem que sair "procurando" raízes ou frutos. Na verdade, é de se acreditar que, na cabeça do coletor, raízes e frutas lá estão para serem colhidas e não como um acidente, uma eventualidade. O domínio que os coletores tinham do seu ambiente lhes dava um grau de segurança bastante grande para saberem, em determinadas épocas do ano, quais os locais que ofereciam determinados alimentos.

Autores como Pierre Clastres chamam a atenção para mitos que tomaram corpo pela repetição e não pela evidência. Um deles é o de que, necessariamente, a coleta e a caça seriam atividades primitivas porque inseguras, enquanto a agricultura e a criação engendrariam forte sentimento de segurança material. Como todas as falácias, esta é uma meia verdade, uma vez que a agricultura, enquanto atividade do homem na tentativa de submeter a natureza, corre riscos naturais como secas, pragas e enchentes. Por se constituir em riqueza concentrada, a agricultura atraía a cobiça de vizinhos mais preocupados em atividades de guerra do que de organização agrícola. Já um grupo de coletores vivendo em simbiose com a natureza - ou em parasitos e, como diria algum aluno maldoso - poderia ter uma certeza até maior de sua sobrevivência.

O que estamos questionando - fique bem claro - é o caráter necessário e positivo da passagem de um tipo de organização social "primitivo" para outro tipo de organização social mais evoluído. Parece que essas transformações ocorrem em situações concretas que precisam ser estudadas particularmente.

Não está em discussão - porque é uma evidência - a importância, o significado histórico das transições, onde elas de fato ocorreram. O que não se pode é, simplesmente, atribuir ao "primitivismo" de um grupo, a seu caráter de "pré-civilizado", a nãoocorrência da passagem de coletor a agricultor.





A revolução agrícola

Pelos conhecimentos atuais supõe-se que a primeira atividade agrícola tenha ocorrido na região de Jericó, na Cisjordânia (hoje sob a tutela de Israel), num grande oásis junto ao mar Morto, há cerca de 10 mil anos. A crença no Egito como berço da agricultura já não tem tantos seguidores. A dificuldade em estabelecer uma certeza a este respeito decorre da inexistência de documentação indiscutível: os trigais desaparecem com o tempo. Só através de comprovações indiretas - ruínas arqueológicas de silos, onde os cereais eram armazenados - é que se pode tentar datar o início de uma atividade agrícola sistemática.

De qualquer forma, através de difusão ou de movimentos independentes, supõe-se que o fenômeno tenha surgido também na índia (há 8 mil anos), na China (7 mil), na Europa (6.500), na África Tropical (5 mil) e nas Américas (4.500).

Os produtos cultivados variavam de região para região, com a natural predominância de espécies nativas, como os cereais (trigo e cevada), o milho, raízes (batata-doce e mandioca) e o arroz, principalmente. Uma vez iniciada a atividade, o homem foi aprendendo a selecionar as melhores plantas para a semeadura e a promover o enxerto de variedades, de modo a produzir grãos maiores e mais nutritivos do que os selvagens.

Por que se fala em revolução agrícola? Porque o impacto da nova atividade na história do homem foi enorme. E não se trata apenas de mera questão acadêmica, mas de algo muito real e palpável como o próprio número de seres humanos sobre a face da Terra.

De fato, nos sistemas de caça e coleta estabelece-se um controle demográfico resultante da limitação da oferta de alimentos. Não é devido a que não existam alimentos na natureza, mas devi

do a que sua obtenção torna-se extremamente mais complicada para grandes grupos (como já vimos em capítulo anterior).

Além disso, o caçador e o coletor não podem chegar ao extremo de dizimar suas reservas alimentares (animal ou vegetal) sob pena de prejudicar a reposição ou reprodução; a técnica de caça sendo levada para além de certos limites pode criar um desequilíbrio ambiental. Nós, "civilizados", sabemos disso, pois já conseguimos destruir raças e espécies inteiras de animais, graças a técnicas sofisticadas de caça. Viver em simbiose com a natureza significa, exatamente, respeitá-la.

Há um outro fator que determinava o controle populacional: em grupos de caçadores e coletores, crianças pequenas constituem empecilhos tanto para a fácil locomoção da tribo (que precisa, como já vimos, ter grande mobilidade) como para a própria obtenção do alimento. Elas não podiam caçar e atrapalhavam as mães nas longas caminhadas que precisavam ser feitas para a busca de raízes, caminhadas tanto maiores quanto maior fosse o grupo e mais tempo estivesse acampado no mesmo local.



A “primeira explosão demográfica”


Já na agricultura, a coisa mudava de figura. Mesmo quando transumante, o grupo agrícola tinha que se fixar num local o tempo suficiente para que sua plantação produzisse ao menos uma vez. A área plantada ficava bem próxima ao acampamento, propiciando trabalho com menos locomoção por parte das mulheres. De resto, crianças relativamente pequenas eram utilizadas pelo grupo de maneira a se constituírem em força de trabalho. Locomovendo-se menos, usando as crianças para a agricultura e não tendo limites tão rígidos no suprimento alimentar, os homens passam a se reproduzir mais, causando um crescimento demográfico notável.

Com o advento da agricultura, os grupos podem ser maiores, desde que dentro de limites estabelecidos pela fertilidade do solo, quantidade de terra disponível e estrutura organizacional da tribo. Quando o crescimento do grupo entrava em contradição com qualquer um desses fatores, ocorria uma cissiparidade, procurando a tribo derivada - e às vezes até a de origem - outro local. Este processo intenso de subdivisões e deslocamentos iria provocar uma onda de difusão da agricultura e da atividade pastoril.

Acredita-se, portanto, que durante muito tempo a atividade agrícola não fixou em definitivo o homem ao solo; apenas o deixou mais sedentário do que quando coletor e caçador.

A transumância foi uma característica importante do início da revolução agrícola. E, por conseqüência, a difusão cultural também caracterizou essa revolução: podemos imaginar inúmeros grupos reproduzindo-se e subdividindo-se, plantando e criando, invadindo espaços de caçadores e coletores, convivendo entre si ou em guerras, ou ensinando e submetendo os habitantes da região ocupada.

Não se pode pensar em agricultores "respeitando" a cultura de coletores, aceitando seu próprio desenvolvimento sócio-econômico, aguardando que o crescimento de suas forças produtivas os levasse a se tornarem também plantadores e criadores... Como toda grande revolução da humanidade, esta também teve seus arautos e corifeus, bem como sua massa de cooptados e subjugados.

A revolução agrícola torna-se quase irresistível. Seu avanço, a partir de poucos focos difusores, atinge áreas cada vez mais extensas, cercadas por contornos marginais, como diz Darcy Ribeiro. Esses contornos vão diminuindo a ponto de se tornarem simples pontos esquecidos pelo avanço da História.

Isso é bom? Isso é mau?

O fato é que a revolução agrícola paulatinamente destrói formas de existência anteriores, e os povos que se mantêm coletores são poucos e facilmente assimiláveis às idéias da revolução, quando atingidos.




Começa a “criação”


O homem aprendeu antes a plantar, a domesticar os animais e criá-los, ou ambas atividades surgiram de maneira simultânea? Fazemos parte da corrente que acredita ter a agricultura precedido à criação. Ainda hoje há tribos de agricultores que não possuem animais domésticos e temos registro de grupos que aliavam a agricultura à caça, enquanto não se tem notícia de criadores que desconheçam a atividade agrícola.

Gordon Childe imagina ter se iniciado a criação a partir de alguma seca prolongada no Oriente Médio. Assim, animais que viviam adequadamente com uma baixa precipitação de chuva teriam ficado em situação desesperada, sem água, tendo a necessidade de procurar um oásis em busca de algum alimento ou líquido. Lá já estariam os animais predatórios - em busca de água e caça - e o próprio homem. Sendo o homem agricultor, é possível imaginá-lo permitindo que os animais pastassem em seus campos já colhidos e se alimentassem das hastes de cereais que ficavam no chão. Fracos demais para fugir e magros demais para servirem de alimento, carneiros e bois instalavam-se e eram aceitos pelos homens que teriam estudado seus hábitos, expulsando leões e lobos e eventualmente até lhes oferecendo alguma sobra de cereal como alimente complementar.

Em troca, os animais teriam sido domesticados, habituandose à presença do homem, confiando nele (no que cometeram um evidente erro de avaliação)...

O gado confinado funcionava como uma reserva de caça, no início. Aos poucos o homem teria estabelecido critérios no abate dos animais. Sem alarde, teria passado a abater apenas o necessário à sua alimentação. Preservando os mais dóceis e matando os não-domesticáveis, ia promovendo uma criação seletiva.

Ao chegar novamente o momento de plantar, alguns agricultores teriam simplesmente expulsado os animais. Outros, porém, já conhecendo seus hábitos, levavam-nos a locais onde havia abundância de água e alimentos, impedindo o ataque de animais selvagens, deixando-os tranqüilos com relação à suasobrevivência. Assim, aos poucos, o rebanho teria passado a ser não apenas domesticado, mas verdadeiramente dependente do homem.

Em alguns casos esse processo não teria dado certo porque o animal escolhido não seria domesticável, pela sua própria natureza. Mas em outros, o sistema teria se aperfeiçoado a ponto de mostrar ao homem outras vantagens da criação entre as quais o esterco, que ele havia aprendido a utilizar para adubar seus campos e conseguir maior produtividade; e ainda o leite, transformado num alimento muito importante, com a grande vantagem de não exigir a morte do animal.

Mais tarde, o couro passa a ter grande importância em alguns grupos e o pêlo de algumas espécies, como a ovelha, passa a desempenhar significativo papel na economia de vários grupos.

Em alguns casos a criação continua sendo atividade complementar: pequeno número de animais, alimentados por pastos naturais em volta do aldeamento e por restos de colheita em diferentes épocas do ano. Com jovens não muito úteis para outras atividades atuando como pastores, a vida econômica do grupo não sofre muitas alterações, continuando baseada na atividade agrícola organizada.

Poderia ocorrer, entretanto, o crescimento do rebanho, exigindo algumas definições. Nesse caso seria necessário promover o desmatamento de uma área, transformando mato e floresta em pasto.

Eventualmente, seriam plantadas determinadas espécies exclusivamente para alimentar o gado. Poderia ocorrer também uma migração de parte da população, atrás do gado que caminhava em busca de pastos verdejantes. Em alguns lugares uma pequena fração da comunidade migra, mas em outros a maior parte da população acompanha o gado, o qual deixa de ser uma atividade complementar, tornando-se a mais importante base econômica do grupo. É provável que esta tenha sido a origem de tribos e povos criadores.

O fato de a criação ter existido ou existir quase como atividade única em povos da Arábia ou da Ásia Central não significa, portanto, que eles não tenham passado pela revolução agrícola antes do início de sua atual atividade pastoril.

De qualquer forma, é difícil estimar a data do início de sua atual economia. Vasilhas de couro em vez de potes de cerâmica e tendas de couro em vez de paredes de alvenaria não deixam resquícios que possam fornecer base aos arqueólogos. Vale, nesse caso, a capacidade de dedução a partir de casos semelhantes. E, Dor que não, uma boa dose de imaginação.




Existiria uma “cultura neolítica”?

Não se deve pensar que a passagem da atividade coletora para a agrícola tenha-se dado de uma maneira brusca ou através de um toque de mágica. Deu-se, antes, através de um longo processo que inclui cuidadosa percepção dos fenômenos naturais, elaboração de teoria causa/efeito e doses de acidentalidade. Um grão caído na terra começa a germinar e é observado em seu crescimento por algumas mulheres que estão coletando na área: aí temos, provavelmente, a base da transformação.

Que essa transformação teria sido lenta, não se duvida. Afinal, entre saber que os vegetais crescem se plantados, e conseguir organizar uma plantação racional e rentável, existe uma longa distância que passa pela necessidade de alteração de padrões de comportamento já arraigados. A convivência da agricultura com a coleta deve ter sido o fenômeno mais comum durante muito tempo.

O fato é que a economia simples de produção de alimentos provocará grande transformação no grupo. Pela primeira vez haverá um excedente a ser armazenado. Isto não decorre da vontade manifesta dos membros do grupo ou de algum sentimento de usura, mas da própria realidade ditada pela natureza: os grãos produzidos ficam maduros de uma só vez numa certa época e não ao longo do ano. Entretanto, deverão ser consumidos lentamente, em refeições distribuídas pelo ano todo. Além disso, parte da colheita deverá servir de semente na próxima semeadura. O grupo precisa mudar sua atitude com relação ao alimento: começa a planejar e a poupar; começa também a construir silos, depósitos adequados para armazenamento dos grãos.

Entre as construções mais antigas que sobreviveram até hoje estão os silos de Faium, no Egito, e Jericó, na Cisjordânia, comprovando uma mudança na organização econômica e na mentalidade dos grupos neolíticos.

A produção de um excedente agrícola, somada à atividade criadora (que, no fundo, representa a produção de um excedente de carne), servirá para atender às necessidades da comunidade em períodos mais duros, propiciando o crescimento da população e o surgimento posterior de um comércio incipiente. Mas isto só virá depois. De início a comunidade é auto-suficiente, uma vez que coleta ou produz todo o alimento de que necessita, utiliza matérias-primas da região para os equipamentos necessários (madeira e palha, argila e pedra, ossos e chifres) e fabrica suas próprias ferramentas e utensílios.

Independência econômica não pode ser confundida com isolamento. Contatos entre tribos neolíticas deveriam ser freqüentes e até amistosos. Encontros de pastores nos pastos e de agricultores nos oásis ocorreram muito, sem contudo transformarem-se em integração política. Trocas eventuais de produtos excedentes não alteram á estrutura dos grupos.

Por isso mesmo,-dificilmente poder-se-ia falar em uma cultura neolítica 'comum a todos os povos do período. Cada grupo, a partir do número de seus membros, condições geoclimáticas, fauna e flora naturais, matéria-prima disponível; além de outros fatores, estabelecia sua especificidade cultural concretamente construída. Sua diversidade era tão grande quanto a variedade dos territórios ocupados.

Só um evolucionista fanático e obtuso poderia imaginar realidades culturais idênticas a partir de vivências tão distintas. Se na Europa Ocidental a agricultura nômade foi predominante, em Creta e na Tessália mesmo os aldeamentos mais antigos parecem ter sido permanentes. Alguns grupos tinham na caça uma atividade central, outros na criação, enquanto para terceiros a carne era desprezível como alimento. As mesmas diferenças se estabeleciam no que se refere ao tipo de cereal predominante, à característica do artesanato, às práticas e rituais, e assim por diante.

Assim, em vez de cultura neolítica, seria mais correto referir-se às culturas neolíticas, no plural.




Da divisão sexual de tarefas


Nos grupos precedentes à revolução agrícola já havia uma divisão sexual de tarefas: ao homem cabia a caça e a preparação de todo o equipamento para a atividade, enquanto a mulher era a coletora e a responsável pela educação dos filhos. Com as mudanças ocorridas com a agricultura, o homem passa a derrubar os bosques e preparar a terra para a lavoura, enquanto a rotina da lavoura fica nas mãos das mulheres. São elas que cuidam da casa, das crianças, da comida e da colheita, submetidas à rotina massacrante dos dias iguais, que tolhem a criatividade e reduzem a imaginação ao horizonte de suas vidas.

O homem não é o principal produtor. De resto já não o era antes. Vimos que a atividade de coleta propiciava mais alimentos ao grupo que a caça, na maioria das vezes. O homem mantinha sua importância pelo significado que a carne tinha, pela sua relativa raridade até. De uma forma ou de outra, o homem era quem trazia alimentos para casa. Já nas sociedades agrícolas, a mulher era quem semeava, colhia e preparava os alimentos, ficando os homens fora da produção direta.

Então, como é que eles mantinham sua dominação sobre as mulheres? Através de mitos, ritos e instituições que institucionalizam seu poder virtualmente ameaçado. Por meio de crenças e cultos perpetua-se uma precedência social que já não corresponde ao papel masculino na nova economia dos povos agrícolas. Força física para dissuadir e manipulação do sistema ideológico para manter e reproduzir o poder foram armas do homem nas comunidades agrícolas.

Nas sociedades pastoris a dominação não precisava dessas sofisticações, uma vez que os homens desempenhavam relevante papel no sistema produtivo. Como resultado, a mulher ficava numa atitude mais submissa ainda.

A força do homem, que lhe dá condições melhores de guerrear - atividade freqüente no Neolítico -, faz com que sua precedência sobre a mulher se amplie. A diferença entre os sexos tem uma origem biológica, mas vai adquirindo uma explicação histórica. Simone de Beauvoir costumava dizer que ninguém nasce mulher, mas se transforma em mulher.

Ela não nega, é claro, que alguns seres humanos venham ao mundo com características físicas diferentes de outros. É evidente que há a mulher objetiva, aquela que é mais fraca que o homem, que fica menstruada, que engravida, que dá à luz, que amamenta. Mas, se nessas características podem estar plantadas as origens da diferença, esta se materializa na História, isto é, na prática cotidiana e nos valores cristalizados, nos estereótipos e na manipulação do ideológico. Valorizar a carne sobre o cereal, a derrubada da mata sobre o cultivo contínuo, resulta em sacerdotes masculinos e deuses executivos machos assessorados por belas (e necessariamente puras) sacerdotisas.

A reprodução da desigualdade (qualquer que seja) continuará ocorrendo enquanto houver dominadores interessados e dominados conformados e/ou ignorantes.

A sociedade neolítica estabelecia divisão de tarefas e não de trabalho, a chefia era um ônus e não privilégio, não havia extração de mais-valia. Mas, entre os iguais, os homens eram um pouco mais-iguais que as mulheres.



O Surgimento das Cidades



A vida nas grandes cidades modernas estabelece urna distância enorme entres seus habitantes e a natureza. É comum as professoras darem às crianças da pré-escola um grão de feijão deitado sobre um pedaço de algodão molhado para que o aluno tenha ao menos uma idéia sabre o ciclo de vida vegetal: de outra forma, eles poderiam pensar que vegetais são fabricados em sacos plásticos ou caixas de cores atraentes. O fato e que o habitante de uma cidade recebe sua formação em função do mundo que o espera, e não de uma ligação com a natureza orgânica.

Despreparado, é candidato à morte por inanição se se, perde num bosque não muito distante de casa: não reconhece árvores frutíferas e raízes que podem servir de alimento; é incapaz de matar pequenos animais improvisando armas; não sabe tecer com fibras de piteiras e palmeiras uma proteção adequada; e sem instrumentos industriais, perde o senso de localização, não encontrando o caminho de volta.

Há toda uma sabedoria desenvolvida ao 'longo de milênios, que nós, urbanos, jogamos fora pela janela do nosso confortável apartamento. A natureza foi dominada pelos humanos como grupo, não enquanto indivíduos isolados. O poder que sentimos enquanto reis dos animais nos dá a falsa sensação de que cada um de nós é capaz de perpetrar as proezas que apenas alguns conseguem realizar.

Como, por exemplo, sobreviver num bosque.

Urbanos por excelência, somos é dependentes. Dependemos do agricultor que planta e do bóia-fria que colhe; do engenheiro que projeta, do operário que fabrica e do comerciante que vende; dependemos da prospecção de petróleo no Golfo Pérsico, da água

domada em Itaipu, da lenha das florestas dizimadas pelo país todo. Nossas pernas são as rodas dos ônibus e dos trens, nossos olhos são vídeo da televisão, nosso horizonte são os postais que amigos nos impingem após suas viagens pasteurizadas. Por tudo isso, quando falamos de revolução urbana, não se pense em cidades como as nossas nem em homens com valores semelhantes aos que nós desenvolvemos aqui.



Por que surgem as cidades?


Antes de tudo, evitemos os sonhos. Não há como idealizar os homens conscientemente, decidindo-se a fundar uma cidade. Não há consciência individual ou de grupo que tenha levado pessoas a plantar os alicerces de agrupamentos urbanos no Egito ou na Mesopotâmia, qual bandeirantes avant la lettre que, á partir de modelos e dentro de objetivos bem determinados, criavam as bases de futuras cidades pelo interior do Brasil.

Há 5 ou 6 mil anos não havia referências ou parâmetros, e a organização das cidades decorre de uma série de circunstâncias sociais tão complexas que até hoje não há unanimidade entre os pesquisadores a respeito do tema.

Veja-se, por exemplo, a primeira questão: o porquê. Childe fala de uma revolução que "transformou pequenas aldeias de agricultores auto-suficientes em cidades populosas". Passa-nos a nítida impressão de que, após organizar-se sedentariamente como agricultor, atingindo a auto-suficiência e administrando o excedente, o passo seguinte torna-se natural e de fato ocorre: a urbanização.

De resto, os locais aparentemente coincidem: a agricultura inicia-se no Oriente Próximo, a urbanização também. Mais exatamente, falamos de Crescente Fértil (vide mapa) como local de onde as revoluções agrícola e urbana teriam se realizado. Assunto resolvido, portanto? Não. Se houvesse uma relação mecânica entre uma revolução e outra, por que a organização não terá ocorrido com todos os produtores de alimento do Crescente Fértil? Qual é o motivo pelo qual em alguns lugares as aldeias se transformam em cidades, e noutros elas continuam no mesmo estado durante séculos (e até milênios) ? O que fez com que a urbanização tenha sido um privilégio, ao menos inicial, do sul da Mesopotâmia e do Vale do Nilo?

Braidwood arrisca uma engenhosa hipótese para explicar a questão. Para ele, as encostas das montanhas e os vales podem ser cultivados sem grande dificuldade. No caso da Síria e da Palestina, há que se considerar a terra fértil e a chuva de inverno como elementos favoráveis ao plantio, e as montanhas razoávelmente verdejantes como local adequado ao pastoreio. Um local “feito sob encomenda para agricultores principiantes” que poderiam “levar uma vida aprazível, sem muito trabalho”. A extensão larga de terras permitiria ainda pequenos deslocamentos por parte dos grupos por ocasião do esgotamento do solo.

Já no sul do Egito e da Mesopotâmia, as condições geoclimáticas eram (e continuam sendo) bastante: diferentes. A chuva, nesses locais, é praticamente inexistente. A fertilidade da terra, após as cheias, é excelente. Mas, para ela ser utilizada pela agricultura, de forma sistemática, os rios precisam ser domados.

No alto, Ziggúrat de Ur, na Mesopotâmia. Uma foto das escavações realizadas no lugar; embaixo, uma reconstituição provável da construção, podendo-se notar o templo no alto da edificação.

Tome-se o Nilo, por exemplo. Por responsabilidade de Heródoto, quase todos os manuais repetem ser o Egito uma dádiva do Nilo. De fato, o rio, anualmente, em fins de setembro, começo de outubro, inundava suas margens, depositando nelas vivificante camada de solo novo, rico em matéria orgânica. Junto com os benefícios que trazia, a cheiaa criava pântanos e infestava as margens de crocodilos. Era necessário construírem-se diques e reservatórios pára controlar a água, soltando-a lenta e adequadamente, de modo a não encharcar em excesso após as cheias nem permitir que a terra gretasse vários meses depois.

Com o Tigre e o Eufrates, na Mesopotâmia, o processo era diferente, mas caminhava na mesma direção. Lá, por causa de irregularidade do degelo nas vertentes, as cheias eram surpreendentes e intempestivas, às vezes destruidoras. A extrema fertilidade das terras às suas margens (pelo menos ao sul de Bagdá) requeria uma defesa contra a imprevisibilidade dos rios, o que era obtido através da construção de valas que conduziam as águas para onde fosse necessário, graças à topografia plana e aos canais e braços naturais.

No Egito e na Mesopotâmia havia, portanto, condições altamente favoráveis à agricultura, condições estas, entretanto, que precisavam ser aproveitadas através de um trabalho sistemático, organizado e de grande envergadura. Talvez por isso é que a urbanização tenha se desenvolvido antes aí e não na Palestina, Síria ou Irã.

A necessidade é a mãe das invenções. Nos vales e encostas férteis e relativamente chuvosos, a vida corria normalmente e as pessoas não precisavam tornar mais complexas suas relações de trabalho. Mas construir diques, cavar valetas, estabelecer regras sobre a utilização da água (para que quem tivesse terras perto dos diques não fosse o único beneficiário), significava controlar o rio, fazê-lo trabalhar para a comunidade.

Claro que isso demandava trabalho e organização. Mas o resultado foi fertilidade para a terra e alimento abundante para os homens.

Esta foi a base das primeiras civilizações.





Urbanização e civilização



Durante muito tempo, e por inspiração dos filósofos racionalistas do século XVIII, a palavra civilização significou um conjunto de instituições capazes de instaurar a ordem, a paz e a felicidade favorecendo o progresso intelectual e moral da humanidade.

Dessa forma como já vimos na introdução haveria um corte nítido entre pré-civilizados e civilizados, sendo que os primeiros, por terem comportamento muito distinto do nosso enquanto ocidentais e europeus seriam uma espécie de homens inferiores criando sociedades primitivas e à margem da lei.

Com medo de limitarmos a denominação a apenas meia dúzia de povos que tiveram influência na formação do mundo ocidental caímos às vezes no extremo oposto: atribuímos a qualquer pequeno grupo de indivíduos capazes de amassar o barro e construir palhoças o título de civilização.

O importante é despir essa palavra de conotações valorativas. Evitando isso, poderemos estabelecer com maior facilidade e precisão as características que definem uma civilização.

Já ficou claro em páginas anteriores, que civilização não é um elogio e pré-civilizados não pode ser tomado como ofensa. Mas temos que caracterizar a civilização com parâmetros objetivos para não fazermos demagogia dificultando mais ainda a compreensão do processo histórico.

Uma civilização, via de regra, implica uma organização política formal com regras estabelecidas para governantes e governados mesmo que autoritários e injustos); implica projetos a projetos amplos que demandem trabalho conjunto e administração centralizada como canais de irrigação, gr andes templos, pirâmides, portos etc.); implica a criação de um corpo de sustentação do poder como a burocracia de funcionários públicos ligados ao poder central militares etc. ; implica a incorporação das crenças por uma religião vinculada ao poder central, direta ou indiretamente os sacerdotes egípcios, o templo de Jerusalém etc.); implica uma produção artística que tenha sobrevivido ao tempo e

ainda nos encante (o passado não existe em si, senão pelo fato de nós o reconstruirmos); implica a criação ou incorporação de um sistema de escrita os fincas não preenchem esse quesito e nem por isso deixam de ser civilizados ; implica finalmente, mas não por último, a criação de cidades.

De fato sem cidades não há civilização.

As grandes descobertas e invenções do Neolítico seriam apenas comodidades se não provocassem, através e por causa daurbanização, uma significativa mudança sócio-econômica.

A roda, a metalurgia, o carro de bois, o animal de tração, o barco a vela tiveram seu caráter. transformador; por se integrarem a uma nova organização social propiciada pela urbanização.

Nas inúmeras aldeias espalhadas pelo Crescente Fértil não havia necessidade de levar os inventos e as descobertas até a sua

utilização máxima. Já no sul da Mesopotâmia e do Egito tudo foi utilizado para que o homem pudesse enfrentar e dominar a natureza.

Isto significa grande número de pessoas atuando de forma organizada, através da incorporação de conhecimentos sociais e sob uma liderança que vai se estabelecendo e adquirindo legitimidade.

Há aí uma relação dialética: invenções e descobertas são pré-condições para a organização social do tipo urbano, que por seu lado provoca novas descobertas, através do processo de exploração e adequação ao meio ambiente.

A cidade não apenas decorre de um determinado grau de desenvolvimento das técnicas e do conhecimento humano, em geral. Ela também impele a espécie humana a crescer.



Do caos à cidade

Há, na Bíblia, logo no início do Livro do Gênesis, a descrição de como Deus criou os céus e a terra, a partir do caos. Hoje em dia sabemos que muito do que lemos nos primeiros livros bíblicos são adaptações de mitos criados a partir do mundo concreto em que os sumérios e outros povos mesopotâmicos viviam, já que os hebreus constituíam um povo semita de origem mesopotâmica.

Childe acha que esse caos bíblico que culminou com a se paração entre céu e terra não era senão o caos mesopotâmico onde água e terra não tinham separação definida, onde pântanos cobertos de juncos entremeados de tamareiras e de animais anfíbios não eram terra nem água.

Aqui, contudo, não foi nenhum deus quem provocou a separação das partes: foi o homem, abrindo canais para irrigar os campos e secar os pântanos; construindo plataformas para proteger homens e gado das enchentes; dominando a água por meio de diques e definindo a terra no meio dos juncos.

Criando, do caos, a terra e a água.

Como deus.

A recompensa terra para lavrar, água para irrigar, tâmaras para colher e pastos para a criação fixou o homem à terra.

A partir do primeiro montículo de terra fértil conquistado ao caos, mais terra foi sendo liberada pelo homem, com a disseminação de canais ampliados e o crescimento do agrupamento humano.

Nenhum homem, por mais poderoso que fosse, e nenhuma família Por mais numerosa que fosse, poderiam dominar sozinhos esse ambiente. Era um trabalho de grupo que exigia estoques de alimento para liberar muitos indivíduos para a tarefa coletiva, pois estes, enquanto realizavam tais obras, não produziam iam diretamente seus alimentos. Quanto maior o pedaço de terra a ser resgatado ao caos, maior numero de trabalhadores tinham que ser requisitados e mais comida tinha que ser colocada à disposição deles.

É evidente que alimento excedente em quantidade crescente exige quantidade crescente de força de trabalho concentrada e organização social mais complexa.

É o caminho do caos à cidade.



Cidade e poder


Na aldeia de terras férteis do Neolítico, o indivíduo isolado ou em grupo familiar tinha mais poder do que nos primeiros agrupamentos que se constituíam no sul do Egito e da Mesopotâmia. Lá ele podia se desgarrar do grupo para exercer sua atividade de lavrador e de criador, com possibilidade de sucesso.

Aqui tinha que fazer parte do grupo maior, elemento da engrenagem que era: o grupo dependia dele e ele dependia do grupo. Colocar-se a margem da comunidade era colocar-se a margem da terra resgatada aos pântanos e da água canalizada. A sociedade que premiava o membro que demonstrava bom comportamento, punia aquele que falhava através de sanções que o condenavam a viver fora da estrutura de produção.

Quando o líder exigia o trabalho de alguém fazia-o em nome do grupo, que o apoiava: a solidariedade social podia ser imposta.

O próprio espírito de aventura encontrava limites bem estabelecidos: quando alem do oásis (no caso do Egito) ou da terra firme e fértil (na Mesopotâmia) havia apenas deserto ou caos, o jovem tinha mais razões para se conformar e desenvolver um comportamento de bom menino.

O rei por tudo isso, investia-se do poder moral, que era outorgado pelo interesse do grupo, e do Poder de coação, podendo aplicar sanções a preguiçosos, marginais ou descontentes em geral. Tratava-se de opor o interesse geral ao particular, e o resto não contava.

Ricos no que se refere à fertilidade das terras, os mesopotâmios e os egípcios eram muito pobres em matérias-primas, algumas delas essenciais. O vale do Nilo não tinha madeira para construção, nem pedras ou minérios. A Suméria não estava em situação melhor.

Com as obras hidráulicas os egípcios e os sumérios desenvolveram um comércio destinado a suprir suas terras das matérias-primas fundamentais. Forma-se então um grupo de comerciantes, de trabalhadores em transportes e de artesãos para trabalhar a matéria-prima, todos eles alimentados pelo resto da sociedade que continuava a produzir alimentos.

Depois surgiram os soldados para proteger os comboios escribas escribas para registrar os negócios e toda urna gama de funcionários do Estado para conciliar interesses opostos. Aparecem também funcionários religiosos e templos, e uma serie de cortesãos inúteis familiares e amigos do rei.

O arqueólogo nota uma substancial diferença entre os objetos encontrados datados de 5 mil e os de 6 mil anos. Os mais antigos são instrumentos de agricultura e caça e um ou outro objeto de uso doméstico, denotando uma comunidade de agricultores simples. Já os de 5 mil anos constituem mobiliário dos templos armas, jarros e outros objetos feitos em série. Encontramos ainda templos, túmulos imensos (como as pirâmides) e palácios.

A mudança no material arqueológico denota alterações na economia das sociedades que produziam o material. Denota também uma maior complexidade nos papéis sociais uma verdadeira divisão de trabalho em vez de simples divisão de tarefas e a instituição do poder político que busca perpetuar-se. Ao contrário da liderança nas aldeias, provisória e sujeita a permanentes contestações, aqui o rei esquece as razões que o levaram a liderar o consenso do grupo social com vistas ao bem-comum e através de sua origem divina no caso do Egito ou legitimação divina no caso da Mesopotâmia e mais tarde, entre os reis de Israel e Judá Passa a justificar suas atitudes autoritárias seu luxo acintoso e sua vida desligada da dos produtores diretos.

A cidade é populosa. Concentrações entre 10 mil e 35 mil habitantes eram comuns segundo os especialistas. Há lugares predeterminados para as casas e as oficinas, mas os palácios e templos ocupam os locais de destaque. A solidariedade que justificara sua construção se esvai, o camponês, produtor direto de alimentos, é marginalizado pela sociedade que ele ajudara a construir e que continua a alimentar.



A cidade se expande

Ao necessitar de matérias-primas que não eram encontradas em seu território, os governantes das primeiras cidades expandem os seus tentáculos. Através dos contatos propiciados pelo comércio, vemos vários povos, vizinhos aos sumérios e aos egípcios, transformando aldeias em cidades. Isso ocorre na Síria, na Assíria, no Irã, na Palestina, em Creta e, depois, cada vez mais longe. Produtoras auto-suficientes de alimentos, metamorfoseiam-se em cidades complexas com atividades manufatureiras.

É interessante verificar a influência que as cidades-mães de sempenham sobre as outras. Isto se evidencia não só através de estruturas sócio-políticas muito semelhantes, como através de padrões de comportamento e valores. Enquanto a revolução agrícola ocorreu em grande parte de forma espontânea, a revolução urbana desenvolveu-se mais pela difusão, o que não é difícil de compreender.

Atrás das matérias-primas, os comerciantes procuravam as regiões que as produziam, onde encontravam grupos humanos já estabelecidos. Coube aos egípcios e sumérios convencer esses grupos a extraírem metais, madeiras ou pedras em quantidade muito superior a que estavam habituados. Quando obtinham sucesso em suas tentativas, os comerciantes provocavam profundas alterações no dia-a-dia desses povos, que tinham que especializar-se para dar conta da demanda dos produtos solicitados. Na verdade, uma parte da população tinha que produzir alimentos para estes que haviam se especializado, reproduzindo o esquema que já vimos acima. Em casos extremos a coisa foi ainda mais longe. É, por exemplo o caso de Biblos cidade situada no que hoje é o Líbano, onde os egípcios iam buscar o cedro excelente madeira para barcos e construção de edifícios e templos.

A presença egípcia em Biblos foi muito grande: seus funcionários levaram para a cidade suas crenças e sua escrita sua arte e sua administração. Os fenícios domaram contato com a cultura egípcia assimilando-a e criaram suas cidades a partir daí.

Às vezes a presença do comerciante não era aceita mas imposta pela força. Nesses casos, o invadido ou se organizava tecnicamente para a defesa ou era massacrado num tipo de guerra comum na Antiguidade. Para a defesa era necessário aos invadidos dominarem a metalurgia, o que, de qualquer forma, provocava a difusão da cultura urbana, ou seja, da civilização.

O trágico para a cultura era quando um povo apreendia o apenas as técnicas ligadas à atividade bélica e se aperfeiçoava ao máximo a ponto de destruir a civilização de onde obtivera seu conhecimento.

Nessas ocasiões - que foram muitas, através dos tempos - parece que a História caminha para trás.


Bibliografia:

História e Sociedade - Rubem Aquino
História Geral - José Jobson Arruda




Texto extraído de: http://culturabrasil.pro.br/revolucaoneolitica.htm

Do Paleolítico ao Neolítico

O Paleolítico

Durante todo o período Paleolítico, a humanidade evoluiu muito lentamente. Foram alguns milhões de anos em que os objectos fabricados eram ainda muito rudimentares e o modo de vida do Homem muito dependente do meio natural: a sobrevivência dependia do que lhe dava a caça e a apanha de frutos. Os seus instrumentos eram sobretudo de pedra talhada.

No entanto, há cerca de dez mil anos, registou-se uma profunda transformação: o Homem descobriu a agricultura e começou a domesticar e a criar animais. Assim, ao não necessitar de se deslocar para obter alimentos, os grupos humanos fixaram-se numa região só e, dispondo progressivamente de melhores meios para criar maior riqueza, tornaram-se cada vez mais numerosos.



A Economia Recolectora

A caça

A alimentação do Homem foi-se alterando à medida que ele também foi evoluindo. Assim, de uma dieta alimentar baseada sobretudo em vegetais recolhidos das árvores ou do solo, frutos, folhas e raízes, o Homem passou gradualmente à gestão de carne. Deste modo, tornou-se omnívoro, tendo com isso enormes vantagens em termos de adaptação ao meio:

- Não ficou dependente de um tipo de clima e região.

- Desenvolveu um modo de vida que tinha a recolecção e a caça como actividades principais.

No início, a caça limitava-se a pequenos animais, fosse pelos instrumentos rudimentares que usavam fosse pelas dificuldades de comunicação e unidade do grupo.

A partir do Homo Erectus, e sobretudo com o Homem de Cromagnon, a caça passou a ser a principal actividade do Homem. Realizavam-se grandes caçadas a animais de grande porte como elefantes, rinocerontes, bois, bisontes, cavalos e outros. Para isso foram utilizadas diversas armas feitas de pedra, madeira e osso, como flecha, a zagaia, o dardo ou armadilhas engendradas para o efeito.

A caça passou a ser, gradualmente, uma actividade organizada, planeada e executada por uma comunidade de indivíduos que depois partilhavam o animal entre si.

Esta economia, em que nada se produz mas apenas se recolhe e consome chama-se economia recolectora.



A Habitação

No Paleolítico, os Homens eram nómadas, isto é, mudavam frequentemente de lugar em consequência da economia recolectora, já que a sobrevivência do Homem dependia da existência de caça, dos ciclos normais de vida das plantas ou da variações climáticas. Por isso, o Homem tinha de mudar, frequentemente, de território em busca das condições que lhe assegurassem alimentação, segurança e conforto.



As Técnicas

Os instrumentos

Foi no fabrico de instrumentos que o Homem se distinguiu definitivamente dos animais, porque, do mais simples ao mais complexo, o fabrico de instrumentos implicava a previsão de uma necessidade de que só o Homem era capaz. Esta capacidade estava, naturalmente, ligada com as suas primeiras actividades que eram a colheita de vegetais, a caça, a pesca e também certas manifestações decorativas e artísticas.

Os primeiros instrumentos eram pequenos seixos de pedra quebrados de forma a ficarem com uma face com arestas cortantes. Este tipo de instrumentos, chamados bifaces, eram utensílios que, apesar de simples, exigiam uma técnica cuja aprendizagem e evolução levou milénios.

Outro passo importante no fabrico de instrumentos foi quando o Homem passou a aproveitar as lascas que eram libertas da pedra que servia de núcleo central no momento em que era batida. Estas lascas ganharam uma importância muito grande para o Homem do Paleolítico já que eram aproveitadas para o fabrico de inúmeros pequenos utensílios como raspadores, pontas de seta, lâminas e buris.

Para além da pedra eram também trabalhados a madeira e o osso, o chifre e o marfim. Este tipo de objectos eram utilizados para adorno pessoal.




O fogo

Datam de há 500 mil anos os primeiros vestígios da utilização do fogo pelo Homem.

O domínio do fogo representou um passo fundamental para a sobrevivência do Homem no meio que naturalmente lhe era hostil. Para isso apontamos cinco razões:

- O Homem foi o único ser vivo a não recear o fogo, o que lhe dava uma grande vantagem sobre as outras espécies, fosse na sua actividade de caça fosse como arma defensiva.

- Passou a possuir uma fonte de calor, que lhe fornecia o conforto essencial e um meio fundamental para se adaptar às alterações climáticas, nomeadamente ao frio.

- Permitiu-lhe a cozedura dos alimentos, facilitando a sua deglutição e digestão. Este facto teve como consequências a regressão das mandíbulas e o aumento da caixa craniana e do volume cerebral.

- Contribuiu para o desenvolvimento de novas técnicas, que facilitaram o fabrico de instrumentos, como é o caso da utilização do calor no amolecimento de dentes de mamute ou no endireitamento de varas.

- Valorizou a vida em grupo e consequentemente o desenvolvimento da comunicação e da linguagem, uma vez que foi um factor de encontro e de reunião.



O Neolítico

A Economia Produtora

A agricultura

Há aproximadamente 10 mil anos que mudanças climatéricas criaram as condições para o Homem começar a abandonar o modo de vida, exclusivamente, baseado na caça e na recolecção para passar a produzir os seus próprios alimentos.

Verificou-se um grande desajuste no que se refere à economia recolectora, pois o Homem não colmatava a suas necessidades nem tinha condições para aumentar em número.

Deste modo, a agricultura surgiu como o resultado de uma necessidade alimentar da comunidade e também como a actividade que melhor se adaptava à sua própria organização: Os Homens continuavam a procurar a caça e as mulheres dedicavam-se às diferentes tarefas relacionadas com a agricultura.

Os primeiros produtos cultivados foram o trigo, a cevada, o milho, a soja e o arroz. A agricultura foi das mais importantes descobertas da História da Humanidade, uma vez que provocou profundas alterações na sociedade humana e na sua relação com o meio ambiente: o Homem fixou-se definitivamente num local e adaptou-o às suas necessidades. A esta lenta transformação, que demorou centenas de anos e tem por base uma economia produtora, dá-se o nome de revolução neolítica.

A domesticação

Para além da agricultura, a criação de animais foi outro passo muito importante para a alteração do modo de vida do Homem, este facto caracterizou também a revolução neolítica.

A criação de animais deu ao Homem não só a possibilidade de não ter de se deslocar para obter a carne e as peles necessárias à sua alimentação e conforto, mas também o leite e, com a domesticação do boi, uma força para tracção.

Como a agricultura, também a domesticação deve ter surgido espontaneamente em vários locais, resultado da evolução natural de aproximação e observação dos animais no decurso das caçadas. Esta actividade permitiu ao Homem conhecer os hábitos dos animais, distinguir os machos das fêmeas para preservar estas últimas e inventar meios para manter as manadas próximas de si de forma a facilitar a sua captura.

O primeiro animal domesticado foi o cão, seguindo-se animais para a alimentação, como a cabra, o carneiro, o boi e o cavalo.



As sociedades sedentárias


A sedentarização

Sedentarização é a fixação definitiva de uma comunidade numa região. Este foi um processo que conduziu naturalmente aos primeiros aldeamentos que se localizaram sobretudo na proximidade de rios, porque nesses locais existia uma grande variedade de recursos alimentares, como o peixe, os crustáceos, os moluscos de casca, as aves, os pequenos mamíferos para a caça, os cereais, etc.

A fixação num local facilitou por sua vez o surgimento da agricultura já que permitiu ao Homem a observação prolongada dos ciclos de vida das plantas e a experimentação do seu cultivo. Por outro lado, a agricultura, ao resolver melhor as necessidades alimentares e de conforto do Homem, criou ligações e obrigações deste para com a terra – ele tem de cultivá-la, apanhar e tratar o cereal – que o transforma definitivamente em sedentário.

As casas dos primeiros aldeamentos eram circulares e construídas com os materiais de mais fácil acesso: adobe ou tijolo no Próximo Oriente; argila seca sobre armação de madeira no Ocidente; a pedra também era utilizada. Mais tarde, com o crescimento das populações e a necessidade de espaço, o plano circular das habitações foi substituído pelo rectangular.

O melhor conhecimento dos processos agrícolas e a maior capacidade de domesticação de animais permitiram ao Homem expandir-se para além das margens dos rios e construir aldeias em locais que considerou mais apropriados às actividades que desenvolvia, à organização e número de elementos da sua comunidade e às necessidades de defesa.

Os instrumentos

Embora o Homem do Neolítico utilizasse o osso e a madeira para a construção de instrumentos e objectivos vários, a pedra deve ter continuado a ser, nesta época, o material mais trabalhado e usado, tal como acontecia no Paleolítico.

A pedra era, no entanto, melhor trabalhada, já que, depois de lhe ser dada forma, era polida, através da paciente fricção de uma pedra com outra ou areia. O polimento é uma das características que distingue os instrumentos deste período que se tornaram mais eficazes. Foi, igualmente, possível alargar a sua variedade e adequá-los às novas actividades ligadas à economia produtora.

Foi neste período que surgiram ou foram desenvolvidos a foice para ceifar os cereais, o machado para desbravar a terra, a enxada para preparar o solo e o pau – escavador para semear ou desenterrar os tubérculos. Por outro lado, continuou-se a fabricar setas, facas, arpões e raspadores imprescindíveis para a caça e a pesca.

Foi, também, no Neolítico que apareceram a mó, normalmente uma pedra chata, e o pilão ou moleta com que se esmagavam os grãos para o fabrico da farinha.



As Primeiras Conquistas

A Bipedia

Há cerca de 15 milhões de anos, na África Oriental e do Sul, ocorreram importantes alterações climáticas que modificaram a paisagem e as condições de vida.

Em resultado do clima se ter tornado cada vez mais seco, os hominídeos, isto é, os antepassados do Homem, foram obrigados a abandonar a floresta, onde habitavam, e a viver na savana. Esta, mais despida de vegetação do que a floresta, obrigou o nosso mais remoto antepassado - o Australopiteco - a marchar sobre os pés (bipedia).

Com o decorrer dos tempos, a postura vertical tornou-se permanente levando a outras importantes alterações do corpo, em particular da mão e do crânio. A mão, progressivamente semelhante à nossa, permitiu ao nosso antepassado utilizar os instrumentos que possuía. Por outro lado, o crescimento do crânio proporcionou-lhe um cérebro maior, o que significou mais capacidade para resolver os problemas que teve de enfrentar.

Vantagens da bipedia para os primeiros hominídeos:

* Desenvolvimento da habilidade para o transporte de alimentos entre lugares

* Redução de pêlos sobre as áreas do corpo não expostas ao sol forte

* Liberação das mãos para diferentes usos ou para cuidar de filhotes

* Decréscimo do consumo de energia em caminhadas a velocidades normais

* Aumento do horizonte de visão e melhoria da protecção contra predadores



O Domínio do Fogo


Ao dominar o fogo, o Homem acreditou nas suas capacidades e preparou novas descobertas. De facto, a produção do fogo veio alterar, profundamente, os hábitos do homem primitivo e abrir-lhe caminho a outras inovações.

O Homo Erectus já sabia produzir o fogo. Com efeito, há mais de meio milhão de anos, esse antigo antepassado do homem já acendia fogueiras, como se comprova pelo facto de aparecerem vestígios de fogo em lugares por si habitados. Com esta invenção, o homem primitivo alterou, profundamente, a sua maneira de viver.

O domínio do fogo alterou a vida do homem primitivo pois veio permitir-lhe:

- Aperfeiçoar os instrumentos utilizados na caça e na pesca;

- Cozinhar os alimentos, até aí comidos crus;

- Defender-se melhor dos animais que o cercavam ou empurrá-los para os locais pretendidos;

- Iluminar as cavernas, de que ocasionalmente se servia, através da utilização da gordura dos animais que abatia;

Em conclusão, ao dominar o fogo, o Homem acreditou nas suas capacidades e preparou novas descobertas. De facto, a produção do fogo veio alterar, profundamente, os hábitos do homem primitivo e abrir-lhe caminho a outras inovações.

domingo, 11 de abril de 2010

Ilha das Flores

"Um ácido e divertido retrato da mecânica da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escancara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no meio do caminho."


Assista o curta de Jorge Furtado clicando AQUI.

sábado, 10 de abril de 2010

A Primeira Brasileira - Luzia


Ney Soares Filho Repórter - Fonte:HOJE EM DIA

A análise do DNA das ossadas pré-históricas mais antigas da região de Lagoa Santa, contemporâneas de Luzia, poderá ser a chave para esclarecer o surgimento do homem americano e o próprio desenvolvimento das raças humanas. A pesquisadora da UFMG Juliana Alves da Silva, que faz doutorado em biologia molecular, está trabalhando com algumas dessas ossadas no Instituto Max Planck, em Leipzig, na Alemanha, precursor dos estudos de antropologia molecular, e já conseguiu a primeira façanha: extraiu fragmentos de DNA desses ossos e iniciou o seu sequenciamento, ou seja, a identificação das bases formadoras de sua estrutura molecular.
A informação foi dada por sua orientadora, a bioquímica Vânia Ferreira Prado, PhD em Biologia Molecular. A captura do DNA de ossos pré-históricos é dificílima porque, após a morte, a tendência é que as enzimas das células quebrem suas sequências moleculares, fazendo-as desaparecer.
Identificando-se o código genético desses negróides pré-históricos, será possível saber se eles contribuíram na formação de alguns povos americanos. O estudo é minucioso e poderá levar meses ou até anos. Vânia Prado integra a equipe do geneticista Sérgio Danilo Pena que faz estudos sobre a formação genética dos povos americanos, asiáticos e africanos. Esses estudos estão sendo feitos por cientistas de vários países com povos nativos de várias partes do mundo.
Os estudos tomam como base o DNA mitocondrial que é transmitido unicamente pela mãe ao filho. E o cromossomo Y, que só o pai transmite. Enquanto os cromossomos dos gametas do pai e da mãe se recombinam na formação do embrião do filho, o DNA mitocondrial não sofre recombinação, e o cromossomo Y se recombina pouco. Como não sofre recombinação, o DNA mitocondrial é o mesmo nos vários grupos humanos há milhares de anos.
"Já se descobriu que o DNAs mitocondriais mais antigos estão na África, o que corrobora a teoria de que o Homo sapiens surgiu lá", explica Vânia Prado. Os DNAs mitocondriais asiáticos são os mais antigos depois dos africanos. Da Ásia, o homem teria se espalhado para os demais continentes, sofrendo diferenciações, resultantes de mutações, após milhares de anos convivendo com outros ambientes, climas e alimentações. As mutações estão presentes no DNA mitocondrial, o que permite verificar quando, em que populações e de que regiões elas ocorreram.
Índios descendem de mongóis
As análises do DNA dos vários grupos humanos, segundo Vânia Prado, já permite verificar que, depois que os primeiros homens africanos, negróides, se instalaram na Ásia, parte deles passou por um processo de mongolização, gerando a raça amarela. Antes disso, no entanto, esses negróides empreenderam um processo de migração, com parte rumando para a Oceania e, ao que tudo indica, outra parte seguindo para a América. "Se as datações que foram feitas estiverem certas, esses negróides chegaram à Austrália há cerca de 30 mil anos", informa a pesquisadora.
Esses estudos vão de encontro à tese do antropólogo Walter Neves, de que os negros chegaram às Américas e ao Brasil, antes dos mongolóides, dos quais descenderam os índios. Que os povos indígenas americanos descendem dos mongolóides, não resta mais dúvida. "O código genético dos índios americanos é semelhante ao dos povos nativos asiáticos", confirma Vânia Prado. No entanto, os homens pré-históricos de Lagoa Santa têm características antropomórficas bastante diferenciadas dos índios americanos e próximas dos aborígines australianos.
A tese de Walter Neves é de que esses brasileiros pré-históricos e os aborígenes australianos, se originaram de um mesmo povo negróide, que habitou o Sul da China e Sudeste da Ásia, antes de migrar para a Oceania e para a América. Outros pesquisadores, ainda na primeira metade do século, já haviam encontrado indícios não só antropológicos, mas também culturais da influência dos nativos australianos na formação de alguns povos indígenas da América do Sul.
O principal desses pesquisadores foi o francês Paul Rivet, que dirigiu o Museu do Homem de Paris, na década de 20. O uso da zarabatana, por exemplo, comum na Oceania, é uma característica de algumas tribos sul-americanas, e não existe entre mongóis ou índios norte-americanos. As evidências levaram Rivet a formular uma teoria da migração dos aborígenes australianos diretamente para a América do Sul, em embarcações, fazendo escala nas Ilhas Polinésias, que ficam no Pacífico, a meio caminho dos dois continentes.
"Essa teoria não se sustenta, porque a ocupação da Polinésia somente se deu há cerca de 2.000 anos, e os aborígenes australianos não dominavam a tecnologia de navegação em mar aberto", explica Walter Neves.


Extinção ainda é misteriosa

O desaparecimento da raça negróide que habitou a região de Lagoa Santa e o relacionamento (ou não) dela com os mongolóides que vieram a seguir e dominaram o continente são mistérios que a Ciência ainda tenta desvendar. Na verdade, entre as ossadas dos chamados "homens de Lagoa Santa", somente as mais antigas, com idade entre 11.500 e 8.000 possuem características negróides, como explica Walter Neves. As mais recentes, com menos de 8.000 anos, já apresentam características mangolóides.
O pioneiro das descobertas dessas ossadas humanas, foi o naturalista dinamarquês Peter Lund (veja o box abaixo), que se radicou em Lagoa Santa na década de 1830. Ele encontrou grande número de fósseis humanos e de animais pré-históricos já extintos nas cavernas da região. O maciço calcário do carste de Lagoa Santa favorece a fossilização das ossadas.
Segundo a arqueóloga Rosângela Albano, que dirige o Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (é o nome da arqueóloga francesa que coordenou junto com André Prous a missão franco-brasileira que descobriu o crânio de Luzia, em 1975), Lund descobriu cerca de 70 ossadas humanas, a maioria das quais enviadas para o museu de Copenhague. Neste século, muitas outras ossadas foram encontradas por pesquisadores brasileiros e de outros países.
De acordo com Albano, o número de negróides encontrados é bem menor do que o de mongolóides, o que seria uma indicação que os primeiros chegaram aqui em número bem inferior. Porém, para Walter Neves, não há como fazer deduções sobre essas densidades populacionais. Ele lembra que o fato de os negróides serem de um período anterior torna mais difícil localizar seus vestígios.
Para Neves, a possibilidade de inter-relacionamento entre os dois grupos realmente existe. Pesquisas tentando essa comprovação em povos nativos da Patagônia já estão sendo feitas por ele. Mas a chave para uma comprovação definitiva deverá ser mesmo o DNA desses negróides. Uma das tribos atuais que poderia ter influência dos negróides pré-históricos, devido às características antropomórficas, segundo Vânia Prado, é a Maxacali. No entanto, ressalta ela, o DNA desse povo já está "contaminado", devido à miscigenação.


Peter Lund foi o grande pioneiro

Naturalista dinamarquês, Peter Wilhelm Lund nasceu em Copenhague, no dia 14 de junho de 1801. Formado em letras e medicina em 1818, preferiu a zoologia e a botânica. Mas ficou conhecido pelo trabalho realizado na primeira metade do século XIX na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais.
Lund visitou o Brasil pela primeira vez em 1825. Residiu no estado do Rio de Janeiro, onde organizou coleções botânicas e ictiológicas. Retornou à Europa cinco anos depois, onde exibiu o resultado de suas pesquisas na França e na Itália.
De volta ao Brasil em 1833, percorreu outros estados, estudando a flora e a fauna locais. Notabilizou-se porém da existência de fósseis nas cavernas da região de Lagoa Santa, na bacia do Rio das Velhas. O doutor Lund, como ficou conhecido, percorreu quase 200 cavernas e identificou 115 espécies de mamíferos. Descobriu até ossos humanos misturados com ossos de animais, aproximadamente da mesma época. Empreendeu estudos detalhados dos fósseis humanos, resultando na definição das características do chamado "Homem de Lagoa Santa".
Naquela cidade, Lund escreve a história da época pleistocênica do Quaternário Brasileiro. Prova a predominância no Brasil dos dentados, alguns de forma gigantesca. A partir de 1835, suas pesquisas passaram a ser subvencionadas pela Sociedade de Ciências de Copenhague. Lund, que acabou reconhecido como o pai da paleontologia brasileira, organizou coleções botânicas, zoológicas e geológicas, divulgando na Europa as riquezas no Brasil.
Em 5 de maio de 1880, o naturalista dinamarquês morreu na própria cidade de Lagoa Santa, que adotara como sua terra.


Mutações teriam gerado negróides

Apesar do reconhecimento de que os "homens de Lagoa Santa" mais antigos tinham características diferentes dos povos indígenas americanos (pelo menos da maioria deles), depois que a teoria da migração australiana, via mar, diretamente para a América do Sul caiu em descrédito, a Ciência passou a considerar, até recentemente, que a ocupação do continente americano se deu em função de uma única grande migração de mongolóides oriundos da Ásia Central.
As diferenças desses homens pré-históricos mineiros em relação ao restante dos povos nativos americanos, passou a ter como explicação possível diferenciações provocadas pelo isolamento na região durante séculos e séculos.
"Já se percebia que essa era uma população muito antiga e que possuía características diferentes dos indígenas atuais, que têm nítida descendência mongolóide. Mas antes imaginava-se que seria uma variação do grupo mongolóide, que teria sofrido uma diferenciação física por processo evolutivo, com mutações ao longo de milhares de anos", explica a bioantropóloga do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, Cláudia Rodrigues.
Segundo ela, o trabalho do antropólogo Walter Neves, da USP, é inovador porque ele fez comparações das características físicas de Luzia com as de várias outras populações humanas, chegando à semelhança com os aborígines australianos. Além disso, destaca ela, também não haviam ainda sido levantados indícios de uma outra migração da Ásia para a América, anterior à dos mongolóides, por um povo mais antigo do que aquele, utilizando o mesmo caminho, qual seja o Estrito de Bering.


Cocô fóssil e preguiça gigante


Além de ossadas, os arqueólogos têm encontrado na região de Lagoa Santa uma série de outros vestígios dos homens pré-históricos que habitaram o lugar e que ajudam a compreender seus hábitos. É fácil verificar que eles se encontravam na Idade da Pedra Polida, observando seus machados, alguns bem trabalhados, que deveriam servir a rituais (veja foto ao lado), segundo Rosângela Albano.
Mas eles também usavam a pedra lascada, para fazer pontas de lanças. Outros vestígios que ajudam a verificar que esses homens eram coletores e que também caçavam, eventualmente, são restos de fogueiras e de alimentos, e os coprólitos (fezes), que são cocôs pré-históricos fossilizados, como se vê noutra das fotos em detalhe ao lado. A análise desses coprólitos, por exemplo, permite estudar que tipo de alimentação tinham - basicamente frutos, folhas e raízes, além de alguma carne, quando conseguiam caça.
A luta pela sobrevivência envolvia ainda o convívio com grandes animais, como o gliptodonte, um imenso tatu de cerca de um metro de altura; a preguiça gigante, que podia ter mais de três metros quando apoiada sobre as patas traseiras; e o tigre-dente-de-sabre. Em contrapartida, os cavalos que habitavam a região eram pequenos, menores que um cachorro pastor alemão, como atestam ossos achados pelo próprio Peter Lund, ainda no século passado, numa gruta em Matosinhos, que ele batizou de Lapa dos Cavalos. De acordo com Rosângela Albano, Lund foi o primeiro a encontrar ossos de cavalos pré-históricos na América. Um desses ossos pode ser visto no Centro de Arqueologia de Lagoa Santa.


Museu expõe uma ossada completa

As grutas da região de Lagoa Santa surpreendem pela quantidade de achados arqueológicos e paleontológicos que se fazem lá. E um grande acervo desse achados está no Museu da Lapinha, criado há 28 anos pelo arqueólogo amador húngaro, Mihaly Banyai, de 80 anos, 37 deles morando em Lagoa Santa. Banyai conseguiu reunir cerca de 2.600 peças, entre ossadas de animais, vários crânios e outros ossos humanos, além de uma série de objetos dos homens pré-históricos.
Mas o principal achado, foi o de um conjunto de quatro ossadas humanas, localizadas na Lapa do Acácio, em 1987. Trata-se de uma ossada - a única completa já encontrada, segundo Banyai - de um homem adulto , além de uma mulher, um ancião e uma quarta ossada bastante fragmentada, que não deu para identificar bem.
Todo o conjunto foi acondicionado dentro de uma caixa cheia de terra da própria gruta, tapada com vidro, e com os esqueletos na mesma posição em que foram achados por Banyai. O que mais chama a atenção, porém, é uma ponta de flecha feita de nefrita , um mineral inexistente no Brasil, que estava enterrada junto das ossadas. Segundo Banyai, o local mais próximo onde se acha este tipo de mineral é na Guatemala, na América Central.
Isso faz supor que o objeto tenha passado de pai para filho, durante a migração do homem pré-histórico da América Central para a do Sul, ao longo de muitos e muitos anos. E que tenha sido enterrada como parte de um ritual em homenagem aos mortos, como é comum em inúmeros povos primitivos e, inclusive, tribos indígenas brasileiras.


Riqueza da região

A região do Carste de Lagoa Santa é tão rica em sítios arqueológicos que, muitas vezes, os vestígios dos homens pré-históricos são achados por acaso e no quintal de casa. A arqueóloga Rosângela Albano encontrou na porta da cozinha de sua casa, no distrito de Lajinha de Fora, um sítio cerâmico, com vasilhas de barro, pontas de flecha de pedra lascada e outros instrumentos. O húngaro Mihaly Banyai, de 80 anos, criador do Museu da Lajinha, atribui mais importância ao grupo de quatro ossadas humanas que encontrou em 1987, na Lapa do Acácio, do que ao crânio de Luzia. Primeiro porque um dos esqueletos está completo; e também porque tratava-se de uma sepultura, enquanto Luzia foi, provavelmente, carreada para a Lapa Vermelha pela água.
Além do Carste de Lagoa Santa, outro importante sítio arqueológico existente em Minas é o Vale do Peruaçu, em Januária, Norte de Minas. Na região, recentemente, o Governo instituiu, por decreto, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. São dezenas de grandes grutas, onde se encontram ricos painéis em pintura rupestre, ossadas e objetos humanos pré-históricos.
Para a reconstrução do rosto de Luzia, a equipe de Richard Neave, especialista em reconstituição facial, fez minuciosos exames do crânio, utilizando tomografias computadorizadas. O crânio foi refeito em material sintético e o rosto esculpido em argila. Para modelar o queixo e as bochechas, foram utilizadas camadas de massa que variaram de 15 a 20 milímetros.
Os fósseis dos mais antigos antepassados do homem datam de cerca de 4 milhões de anos. Eram hominídeos, do gênero Ardipithecus. Depois surgiram os Australopithecus. O primeiro representante do gênero humano foi o Homo rudolfensis, há 1,8 milhão de anos. O Homo sapiens arcaico surgiu há 500.000 anos. E o homem moderno, há cerca de 50 mil anos.
As análises de DNA de povos nativos de todo o mundo indicam que o homem surgiu na África. De lá, ele teria inicialmente migrado para a Ásia, de onde se espalhou por todos os continentes. De acordo com os novos ambientes, climas e tipos de alimentação em cada região, as populações humanas foram sofrendo mutações, originando as diversas raças que temos hoje.


Extraído de : http://www.lagoasanta.com.br/homem/index.htm

Biologia - Evolução Humana



Vídeo originalmente produzido pela Discovery.